Ao invés de açúcar no sangue, é sangue no açúcar mesmo
No dia 08/12/2015
Foi quebrando um vidro de mantimento como o da foto acima, manchado de sangue. No caso, um vidro de açúcar cristal.
12:28 p.m - Pego o vidro do armário da lavanderia, levo até a cozinha a fim de adoçar um suco de laranja para tomar depois do almoço.
12:32 p.m - O vidro escorrega de minha mão, bate na pedra do balcão da pia, se espatifa e atinge em cheio minha mão direita, principalmente no dedo "fura-bolo". "Puta que pariu, fudeu", eu penso.
A pele da mão se abre, deixando o osso exposto com um sangramento incessante e uma dor horrível que dura alguns segundos, já que cortou o nervo e os tendões flexores do dedo;
12:33 p.m - Me apavoro e já penso: "Direto pra UPA, já! Urgente!" Trato de achar algo pra enrolar a mão pra não deixar exposta. Pego um rolo de papel e um pano de limpeza pra enrolar a mão. Não para de sair sangue, mesmo passando água corrente na pia. O chão fica manchado de sangue, enquanto eu enrolo a mão. O corte foi profundo mesmo.
12:34 p.m. - Consigo pegar meu celular e minha identidade para facilitar o atendimento na UPA do bairro. Deixo o suco e o vidro quebrado em cima da pia e as panelas em cima do fogão. Nem dá tempo de vestir a camisa nem pra mais nada, muito menos de chamar táxi. Saio correndo a pé de casa apenas de chinelo, bermuda e com a camisa apenas no ombro. Nem dinheiro eu peguei. Nenhum vizinho em casa do condomínio. A UPA fica cerca de 6 quadras de casa.
12:35: p.m. - Deixo rastro de sangue no condomínio até o portão de saída dos fundos e também na rua no trajeto até a UPA. Em alguns cruzamentos, tensão na espera de alguns carros passarem para atravessar. Um que passava de carro na rua da UPA vendo meu drama com a mão sangrando no pano me oferece carona, mas eu dispenso porque eu não queria manchar o carro dele sangue. Mesmo assim, ele me acompanha até a UPA devido ao meu risco de desmaio em plena rua.
Manchei de sangue a calçada de 5 quadras, pois em uma quadra tinha apenas grama.
UPA do bairro Rio Branco. Se não tivesse, eu estaria ferrado! Há 3 anos atrás, tinha apenas um campinho de futebol no lugar
12:50 p.m. - Após vários minutos tensos e dramáticos, chego na UPA para receber os primeiros socorros. Imediatamente o guarda e uma enfermeira me colocam numa cadeira de rodas e me levam até a sala de sutura e curativo. Tiveram que limpar o chão, pois o sujei de sangue.
12:52 p.m - O médico plantonista e as enfermeiras se apavoram om a dimensão do corte e do sangramento e já tratam de lavar todo o sangue da mão e fazem um curativo bem reforçado para estancar o sangramento. Ele diz: "Nossa, está sangrando mesmo! Foi bem profundo o corte!" Perguntam como eu me sinto, percebem que estou nervoso com a situação, que estou suando muito (estava calor também), qual o meu nome e o que aconteceu pra ter esse ferimento tão grave. Me aconselham a não olharem pra mão enquanto fazem o curativo. De fato, não olhei mesmo!
12:54: p.m - Com o curativo feito, me levam pra uma poltrona reclinável, me colocam um cateter no braço esquerdo e me dão soro para hidratar, pois eu tinha perdido muito sangue, cerca de uns 300 mL.
12:56 p.m - O médico me pergunta se eu me sinto melhor, eu digo que sim, mas com um pouco de dor eu conto toda a história do ocorrido, que me cortei com vidro e açúcar e tal, ele me pede a identidade para fazer os trâmites burocráticos e me cadastrar no sistema. Ele pensa o que fazer comigo depois e se decide: "É caso para o Pronto-Socorro!"
1:00 p.m - Ele pergunta meu endereço e telefone para cadastrar no sistema e logo já entra em contato com o HPS de Canoas solicitando uma ambulância pra mim.
1:02 p.m - Ouço a conversa entre o médico e o HPS: "Olha, estou com um paciente aqui na UPA do Rio Branco. Ele teve um corte bem profundo na mão, estava sangrando muito e eu quero uma ambulância urgente pra ele se possível!"
1:04 p.m - O médico coloca um remédio pra dor no cateter, enquanto eu espero a ambulância sentado numa poltrona reclinável.
1:30 p.m - Uma enfermeira de dá uma vacina anti-tetânica, muito importante para lesões desse tipo. Me pergunta se eu tenho alergia a algum medicamento, como me sinto e que horas fiz a última refeição. Foi cerca de 10:20 p.m do dia anterior.
Penso: "Meu Deus! o que será de mim agora? Terei que deixar o curso e o serviço!" Espero pela ambulância me buscar.
2:40 p.m - O médico diz: "Vamos lá? Chegou a ambulância! Queres ligar pra algum familiar antes de ir?" Eu oriento o médico a pegar e a mexer no meu celular, pois com a mão enfaixada estou impossibilitado. Ele vai até os contatos, tento ligar pra minha mãe, mas não atende, pois estava em reunião do serviço. Ele diz: "Tá, depois você liga. Vamos lá que teu caso é urgente!"
2:42 p.m - Sou colocado numa maca dentro da ambulância pela enfermeira que veio. O médico diz: "Manda a brasa, porque ele está pálido!"
2:43 p.m - Enfim, a ambulância parte no pau, rumo ao HPS com a sirene tocando. A enfermeira pergunta como eu me sinto.
3:02 p.m - Chego no HPS. A enfermeira pergunta se eu consigo levantar e ir andando. De fato, consigo. Ela diz: "Olha, não vá desmaiar! Eu sou pequena, tu é muito grande. Não vou ter como te segurar!" Eu disse: "É, pois é!" Ela me acompanha até a recepção do HPS para dar início aos trâmites burocráticos e acolhimento.
3:04 p.m - A recepção pede minha identidade e um enfermeiro tira do bolso pra mim. Sou cadastrado no sistema do HPS e do SUS, com o curativo na mão, já sem sangramento.
Protocolo de Manchester adotado nos sistemas de saúde em todo o mundo. Meu grau de risco foi classificado como Amarelo, um grau de urgência médio.
3:07 p.m - Sou encaminhado para a sala de sutura. O médico cirurgião do HPS me pergunta o que houve, conto toda a história novamente e as enfermeiras tiram o curativo, lavam a mão ferida pra tirar o sangue coagulado e fazem um novo curativo, mais reforçado ainda. Perguntam o meu nome, se eu tenho alergia a medicamento, se tomo medicamento, quando foi minha última refeição e no que eu trabalho.
3:09 p.m - Curativo feito, sento numa cadeira enquanto o médico digita algumas coisas no computador. Digo ao médico que estou me sentindo mal, vendo "estrelas". Diz pra mim levantar a cabeça, respirar fundo, mas não adiantou. Me apaguei e desmaiei! O médico e as enfermeiras tratam de me reanimar. Acordei. Me perguntam como me sinto, se estou melhor. Me pede para respirar fundo novamente.
Creio que desmaiei de fome e por ter perdido muito sangue no ferimento. Acho que o apagão durou uns 5 minutos.
Simplesmente vi a morte de perto!
3:20 p.m - O médico diz, mostrando a mão dele, apontando para os dedos dele: "É o seguinte: O ferimento é grave, tu rompeu 2 tendões flexores responsáveis pelo movimento desse dedo e o osso do dedo ficou instável e o movimento pode ficar comprometido. Nós vamos fazer uma cirurgia de reconstrução dos tendões da tua mão ainda hoje. Vamos resolver isso, ok?"
"Aí, já vou providenciar tua internação e irás aguardar a cirurgia."
Ok, tranquilo, eu disse. Se é necessário mesmo, não há o que fazer.
3:22 p.m - As enfermeiras me colocam numa maca e me levam pra uma sala com outros pacientes bem mais graves do que eu. Consigo falar com minha mãe sobre minha situação e logo depois, aviso um colega do meu chefe do serviço dizendo que eu sofri acidente e estava internado no hospital.
3:50 p.m - Uma enfermeira me pergunta se estou com frio, onde estou e com quê me cortei, já que eu tinha desmaiado. Digo um pouco e ela me põe um cobertor na maca. O ar-condicionado do HPS é forte, mesmo que faça 42°C na rua .Espero pela cirurgia.
4:50 p.m - A enfermeira me leva para um banheiro lavar meus pés que estavam sujo de sangue, antes de ir para o bloco cirúrgico. Me manda tirar toda a roupa suja de sangue e me coloca uma camisola do hospital e depois, numa cadeira de rodas.
5:20 p.m - A enfermeira me leva até o bloco cirúrgico.
5:40 p.m - Aguardo mais um pouco numa sala os últimos trâmites e preparativos para a cirurgia.
5:50 p.m - O médico me pergunta como estou e digo que estou melhor ou pouco. "Vamos pra cirurgia?"
5:55 p.m - Vou pra mesa de cirurgia. Fico olhando para as luzes redondas, enquanto preparam a instrumentação. Me aplicam anestesia geral através de uns adesivos e uma injeção.
6:00 p.m - Deslocam as luzes em direção a minha mão. Depois dessa imagem, eu apago de vez. A cirurgia é feita 5,5 horas após o acidente.
A cirurgia é parecida com essa. Apesar das fotos não serem agradáveis, a grande realidade é essa!
7:00 p.m - Cirurgia feita bem sucedida, acordo já na sala de recuperação de grau Amarelo, sendo a primeira imagem que vejo é o teto da sala. Fico com uma tala na mão e ante-braço. Enfim, a primeira internação hospitalar de minha vida.
HPS de Canoas, no bairro Mathias Velho. Desde 2005, atende casos de urgência e emergência para quase metade do RS
8:30 p.m - Colocam remédio pra dor no cateter. Estou conectado pro vários cabos a um monitor de leitura de sinais vitais. A pressão medem pela canela automaticamente de 2 em 2 horas para o médico verificar à distância.
11:00 p.m - Me oferecem chá e bolacha-maria de lanche. Aceito, pois eu estava sem comer desde às 10:20 p.m do dia anterior.
09/12/2015
1:00 a.m - Tento dormir mas não consigo, devido as restrições de movimentos na cama e aos barulhos típicos de hospitais.
1:40 a.m - Peço pra enfermeira um "papagaio" pra urinar na cama mesmo.
7:00 a.m - Consigo tirar um cochilo finalmente.
8:50 a.m - O médico diz que provavelmente eu teria alta de manhã, antes do meio-dia ainda.
9:00 a.m - É servido o café da manhã (café com leite e pão doce com geleia)
10:30 a.m - Consigo dormir mais um pouco.
11:20 a.m - Minha mãe me visita no quarto de recuperação.
11:55 a.m - Hora do almoço (risoto de frango, feijão e chuchu). Tudo sem sal. Não tive alta ainda.
3:10 p.m - Servido o café da tarde (café com leite e pão de sanduíche com geleia). Mas tão cedo já?
6:00 p.m - Após 30 horas de internação, o médico me recomenda um exercício pra mexer o dedo na tala e oficialmente me dá alta, me liberando pra ir pra casa. Minha mãe me traz uma roupa limpa pra vestir. A roupa que eu vim pra baixar o hospital estava toda suja de sangue, ficou inutilizada e teve que ir para o lixo.
6:10 p.m - Saio da cama, vou ao banheiro e aguardo a documentação de alta e de retorno para consulta.
6:55 p.m - Finalmente vou pra casa de carro com minha mãe e o namorado dela, com a mão imobilizada com tala por no mínimo 3 semanas.
Outros pacientes da sala:
Um senhor de São Francisco de Paula todo cheio de pinos, parafusos e órteses metálicas internas cai do telhado, desloca a coluna e as estruturas metálicas. Ao receber alta, o médico diz: "Tu nem pense em colocar o pé no chão! Deverás ficar deitado o tempo todo! Já sabemos que vc não é de ficar quieto!" A ambulância vem lá da cidade dele buscá-lo após contato com um vereador local depois de 8 horas.
Uma moça de Canoas promotora de eventos quebra a perna após pisar de mal jeito num degrau abaixo de um palco.
Uma senhora de Canoas fez uma cirurgia no coração.
Um cara de Taquara esquece a chave do carro em casa, pula a grade e acaba fincando na perna, ficando preso. Tiveram que chamar os bombeiros para serrar a grade da perna dele.
Um guri de Canoas que sofreu um assalto ao voltar de uma festa, foi esfaqueado na mão ao reagir.
Uma guria de São Sebastião do Caí caiu no colégio, quebrou vários ossos, pois sofre da Síndrome de Ossos de Vidro. A mãe dela não sabia se expressar direito, ao dizer quando foi a última refeição dela e falou que tinha "vidro no osso". A enfermeira disse: "Olha, ela pode morrer com a anestesia se não tiveres falando a verdade!"
"Hoje com certeza ela não sai daqui." Só no fim da tarde do dia seguinte, no mínimo, como esse moço aqui", referindo-se a mim.
Conclusão
Toda a equipe médica que me atendeu foram excelentes, show de bola, desde a UPA do bairro até o HPS, na maior rapidez possível, sendo que um hospital de emergência é sempre movimentado, com ingresso de pacientes em estado grave a todo o momento!
Isso apesar de todas as dificuldades que o SUS vive em todo o país praticamente.
E agora vou me recuperando na base da fisioterapia, em clínica particular.
Se eu não procurasse socorro imediato, com certeza eu estaria no "outro mundo" devido a hemorragia.
Ordem de espalhamento da notícia
1º) Mãe, irmão e parentes de Canoas
2º) Meu chefe e colegas de serviço
3º) Parentes de Uruguaiana (avó, tios e primos)
4º) Meu pai (último a saber, após uma semana do acidente, pois não se importa muito comigo e nem eu com ele, além de ter sua própria família há muito tempo).
Separou-se há 29 anos de minha mãe.
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